sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Desigualdade alimentar

*André Luiz Tonon
Foto: Cassiane Seben
Renan, 20 anos e pertencente a classe econômica C, almoça e janta praticamente todos os dias em casa, os principais pratos são feijão, arroz e carnes. Paulo, da mesma idade, porém pertencente à classe A, na maioria das vezes almoça em restaurantes e deixa para comer em casa somente nos finais de semana. Adora refrigerante e frituras. Os exemplos de Renan e Paulo representam o atual retrato da alimentação do brasileiro, realizada durante os anos de 2008 e 2009 e divulgada mês passado pelo IBGE na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que analisou o consumo alimentar do brasileiro. O estudo, que em linhas gerais, buscou promover uma análise sobre o estado nutricional da população, revelou uma questão curiosa: a disparidade alimentar entre ricos e pobres. Afinal, uma boa saúde alimentar depende de dinheiro?

   
Alimentação é um assunto sério! Dentre as necessidades básicas do ser humano, comer talvez seja a mais prazerosa. Mas há uma grande diferença entre comer e comer bem. O não cumprimento deste segundo ponto pode provocar grandes danos a saúde da pessoa, como hipertensão, diabetes, doenças crônicas, cardiovasculares, anemia e obesidade.
A POF 2008/09 revelou uma divisão entre as dietas nos extremos sociais do país. Enquanto a classe com um menor valor aquisitivo (avaliada pelo IBGE como famílias de renda per capita até R$ 296,00) se baseiam no tradicional arroz com feijão, os considerados ricos (renda per capita acima de R$ 1.089,00) apresentaram um consumo maior de frutas, legumes e verduras, porém, junto a isso, revelam índices altos no gasto com doces, refrigerantes, pizzas e salgados fritos e assados.
Alimentos como o peixe, ovos, café e farinha de mandioca se destacam na dieta do primeiro grupo, enquanto aves, laticínios, produtos diet e light e a carne bovina se encontram em maior número na mesa da classe mais alta. Nota-se, porém, que o pobre se preocupa mais com sua alimentação. Embora consuma metade da quantidade de frutas do que os ricos, há duas delas que aparecem mais na mesa deste grupo: manga (o dobro) e açaí (o triplo).
“As pessoas com baixo poder aquisitivo se preocupam mais em colocar na sua alimentação diária alimentos que irão dar energia para enfrentar o dia a dia. Também pelo fato de 1 kg de arroz sustentar mais que 1 kg de tomate e ser equivalente no preço, diferença essa que na classe alta não é preciso ser levada em consideração”. Quem aponta o fato é a nutricionista e especialista em Nutrição Clínica e Metabolismo pela CBES de Porto Alegre, Tábata Marcela Castelli.
Quando o assunto é leite e seus derivados, o poder aquisitivo pesa. Todos os laticínios, com exceção do leite em pó, são consumidos em maior quantidade pelos ricos, no entanto, de forma errada. O consumo de leite desnatado e lacticínios com menor teor de gordura, embora recomendados como opções adequadas de alimentação saudável, representa menos de 10% do consumo desse grupo de alimentos. A grande parte ainda recai sobre o leite integral, iogurte e queijo.
Se unirmos todos os níveis econômicos da pesquisa, encontraremos como produtos de maiores médias de consumo diário per capita o feijão (182,9 g/ dia), arroz (160,3 g/ dia), carne bovina (63,2 g/ dia), sucos (145,0 g/ dia) e o refrigerante (94,7 g/ dia).

Abra a felicidade

Unânime em todas as classes sociais, o consumo elevado de refrigerante é um mal cultural do país e o coloca junto à refeição diária do brasileiro, sendo os ricos consumindo mais que o dobro em comparação aos pobres (veja o gráfico abaixo). “O consumo elevado de bebidas com adição de açúcar, como sucos, refrigerantes, refrescos, açúcar isolado, sal e gorduras são um dos fatores que confirmam uma inadequação da dieta do brasileiro”, comenta Castelli.


 “A falta do tradicional arroz e feijão na classe alta se dá pela demanda de alimentos industrializados e a maior frequência de consumo fora do domicílio onde há oferta de alimentos diferentes. Um exemplo são os adolescentes, que buscam uma alimentação considerada prática, optando por sanduíches, pizzas, salgadinhos, chocolates, embutidos e deixando de lado a alimentação mais saudável, como frutas, legumes, verduras, leite e seus derivados.”



E essa cultura nasce desde criança. “O hábito do consumo destes alimentos deve ser criado ainda na infância quando a criança ainda não pode escolher o que vai consumir. Desta maneira é mais fácil a aceitação futura. Quanto mais tardar o consumo de alimentos industrializados e incentivar uma alimentação saudável baseada em frutas, legumes, verduras e leite faz o paladar das crianças aceitar e se acostumar melhor com o sabor dos alimentos”, aponta Castelli.


Porém o que vemos fora de casa é um jogo desleal. Enquanto, de um lado, pais oferecem uma alimentação rica em nutrientes, do outro, a televisão exibe propagandas diárias de doces e guloseimas. O documentário Super Size me: A dieta do palhaço, de 2004, revelou que uma criança vê em média 10 mil anúncios de comida durante um ano, 95% deles são de cereais, lanches e doces cheios de açúcar. Do outro lado, os pais, que incentivam o filho a comer bem discursam em média mil vezes. Sem falar na disparidade apresentada em supermercados e shopping center. Enquanto frutas, legumes e verduras se acumulam em um único setor, prateleiras se dividem em setores únicos para refrigerantes, pizzas, biscoitos, chocolates, entre outros.


Uma pesquisa do Datafolha identificou a opinião de pais de crianças de até 11 anos sobre seus filhos do impacto da publicidade de fast food e alimentos considerados não saudáveis: 79% dos entrevistados afirmaram que esse tipo de propaganda prejudica os hábitos alimentares das crianças. “O maior poder aquisitivo faz com que a população tenha mais acesso a alimentos de boa qualidade, mas por outro lado, a demanda de alimentos industrializados ricos em sal, açúcar e gorduras crescem a cada dia, favorecendo assim uma alimentação inadequada à população desta classe”, comenta Castelli.


 Ações para uma mudança
Tábata Marcela Castelli

Para mudar este quadro, o Ministério da Saúde trabalha com a Coordenação de Alimentos e Nutrição (CGAN) na Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (ENPACS), que atua como instrumento para fortalecer as ações de apoio e promoção à alimentação de crianças entre 6 e 24 meses pelas normas da organização da Atenção Primária à Saúde do SUS e incentivar a orientação alimentar para esta faixa etária como atividade de rotina nos serviços de saúde. Além deste serviço e dentre outros, a CGAN desenvolve projetos de cooperação, estudos e pesquisas em alimentação e nutrição e articula junto a estados e municípios modos para estimular a adesão das pessoas aos programas e projetos na área da Alimentação e Nutrição.
Segundo Castelli, “a saúde nutricional do brasileiro sofreu a chamada transição nutricional, um declínio nos níveis de desnutrição e um aumento nos níveis de obesidade, diminuindo assim determinadas doenças vindas de carências nutricionais, mas aumentando outras como as doenças crônicas não transmissíveis. É preciso uma reeducação alimentar para o povo brasileiro. Modificações como: troca de alimentos muito calóricos e de baixo valor nutritivo por alimentos mais saudáveis como: verduras, leguminosas, frutas, leite e seus derivados, grãos integrais, oleaginosas, vísceras e peixes.”

Em Passo Fundo, o setor específico voltado a alimentação da população é recente, e tem menos de um ano de atividade. Neste tempo foi criado o sistema de vigilância, um programa do governo federal que monitora a saúde dos habitantes. Atualmente, a secretaria da saúde do município trabalha na avaliação desses dados para realizar, em cima deles, um plano de ação específico.
Segundo Marilaine Nunes, nutricionista da Prefeitura Municipal de Passo Fundo, o município não apresenta as disparidades da alimentação econômica apresentadas pela pesquisa. “Talvez a falta de dados concretos dê uma visão contorcida da realidade, mas o costume alimentar entre as classes sociais é praticamente o mesmo. Apesar de que na população mais carente, encontramos maiores índices de obesidade, diabetes e de doenças crônicas, pelo consumido de produtos mais baratos e industrializados.”

Independente da distinção econômica, sempre existem alternativas para se construir uma alimentação saudável. Para os grupos de maior valor aquisitivo, reduzir a ingestão de açúcar, resistir a doces e frituras e ficar longe das temidas gorduras trans pode significar um bom início. Já para a parcela da população com um nível financeiro baixo, se adaptar em buscar frutas da estação e, por que não, produzir uma pequena horta em casa, com temperos e pequenos legumes podem ser uma alternativa interessante. Alimentação é coisa séria, e mantê-la saudável agora, pode evitar maiores conturbações no futuro.
Saiba mais:

* André Luiz Tonon é academico do VI nível de Jornalismo da UPF

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